Louise Tahim de Sousa Brasil Othon Sidou; Ana Karoline da Costa Ribeiro; Breno Douglas Dantas de-Oliveira; Patrícia Lopes Gaspar
Resumo
A Educação Médica baseada em simulações cresceu rapidamente nas últimas décadas, como uma alternativa para treinamento de situações e procedimentos que podem trazer sérios riscos ao paciente de forma mais segura. No treinamento em Medicina de Emergência, especialidade em que os médicos são submetidos a situações de grande estresse físico e mental e grande pressão psicológica da tomada de decisão rápida, esta forma de ensino é especialmente proveitosa. O Programa de Residência de Medicina de Emergência do Ceará, à partir de 2021, adicionou ao currículo acadêmico um modelo de ensino teórico-prático baseado em simulações em quatro temas, chamados de Eixos Longitudinais: Reanimação, Via Aérea, Ultrassonografia Point Of Care (POCUS) e Tomada de Decisão. O objetivo do presente trabalho é compartilhar a vivência de uma residente de Medicina de Emergência em cerca de 3 anos de treinamento na forma de simulações. Conforme a revisão de literatura e a experiência vivida, conclui-se que o ensino baseado em simulações é uma ferramenta que enriquece o aprendizado do aluno, agregando qualidade técnica com segurança.
INTRODUÇÃO
O Departamento de Emergência costuma ser um ambiente de alto nível de estresse, com rápida rotatividade de pacientes, os quais podem ser de grande complexidade1. Conforme o Dr Joe Lex cita em seu artigo “Thinking Like An Emergency Physician”, em um plantão de 8 horas, o Médico Emergencista toma cerca de 10.000 decisões - de forma consciente ou não - entre elas: para qual paciente priorizar o atendimento, quais manobras de exame físico realizar, os exames complementares necessários, quais outros especialistas deverão ser acionados etc. Caso o profissional tome 0,1% das decisões erradas, serão cometidos 10 erros por plantão. Neste contexto, torna-se imprescindível desenvolver métodos de ensino que preparem os futuros Emergencistas para o cenário real de sua especialidade.
A Educação Médica baseada em simulações cresceu rapidamente nas últimas décadas, uma vez que é necessário que os estudantes de Medicina e Médicos Residentes adquiram habilidades práticas – como intubação orotraqueal, punção de acesso venoso central, suturas, entre outros – mas também é necessário minimizar os riscos inerentes à realização destes procedimentos2.
Desde sua fundação, o programa de Residência de Medicina de Emergência do Ceará utilizou aulas convencionais com o objetivo de complementar a vivência hospitalar do Médico Residente, provendo a base teórica do aprendizado. Em 2021, foi implementado um novo modelo de ensino teórico-prático baseado em simulações, dividido em quatro temas, os Eixos Longitudinais: Reanimação, Via Aérea, Ultrassonografia Point Of Care (POCUS) e Tomada de Decisão. Neste artigo, discutirei minha vivência com este formato de aula e as vantagens do ensino baseado em simulação.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Os Eixos Longitudinais ocorrem semanalmente, duram 1 hora e alternam-se a cada semana. As turmas são formadas por alunos de um mesmo ano de residência, para garantir que os tópicos a serem simulados sejam proporcionais às habilidades dos residentes.
O Eixo Longitudinal de Reanimação consiste na prática de atendimentos simulados a pacientes graves, utilizando-se manequins de média tecnologia, simuladores de baixo custo ou pacientes-atores. Os residentes conduzem casos clínicos indicados pelo preceptor, com o objetivo de aprender a manejar situações de alto risco em um ambiente controlado e refinar suas habilidades de reanimação. O treinamento visa estimular a tomada de decisão rápida, a organização de raciocínio frente ao paciente gravemente enfermo e o trabalho em equipe. Saber realizar uma boa reanimação cardiopulmonar é primordial ao Emergencista e os alunos têm a oportunidade de treinar o manejo de uma parada cardiorrespiratória em um ambiente controlado.
O Eixo Longitudinal de Via Aérea consiste na abordagem teórico-prática do manejo de via aérea com os manequins/simuladores. São discutidos os fundamentos do manejo de via aérea, desenvolvidas as habilidades técnicas necessárias para tal e analisados os aspectos humanos envolvidos. Os alunos aprendem a utilizar cânulas orofaríngeas e nasofaríngeas, como introduzir corretamente a máscara laríngea, diversas formas de intubação, além de discutir a farmacologia das medicações frequentemente utilizadas, a otimização pré intubação e até como utilizar todos os dados disponíveis para fazer escolhas que reduzem a mortalidade periprocedimento.
O terceiro eixo é o Eixo Longitudinal de POCUS, no qual o residente aprende desde os princípios da ultrassonografia, manejo técnico dos aparelhos de ultrassom até aplicação de protocolos já consolidados – como Protocolo RUSH (Rapid Ultrasound in Shock), Protocolo E-FAST (Extended Focused Assessment with Sonography in Trauma) e Protocolo BLUE (Bedside Lung Ultrasound in Emergency). São utilizados pacientes-atores, simuladores como o SimMan® e manequins de baixa complexidade, como os “phantoms”, a depender do objetivo de aprendizado da aula. Sendo o POCUS um importante adjunto ao diagnóstico e realização de procedimentos (como acesso venoso central, toracocentese, pericardiocentese, entre outros) no Departamento de Emergência, é fundamental que os futuros Emergencistas dominem sua realização.
Por fim, o Eixo Longitudinal de Tomada de Decisão é o momento reservado ao desenvolvimento do raciocínio voltado às situações de emergência em pacientes estáveis porém de alto risco: como reconhecer ameaças à vida e formas oportunas de prevenir complicações e desfecho desfavorável. Para desenvolver habilidades de pensamento rápido, tomada de decisão consciente, inteligência emocional e organização de pensamento, o Eixo de Tomada de Decisão faz com que os residentes sejam confrontados com situações hipotéticas difíceis, capciosas e que exijam grande esforço psicológico e mental do residente.
Após as simulações, os preceptores que estão ministrando as atividades de cada eixo reúnem os alunos para um momento de discussão, amplamente conhecido como debriefing. Avalia-se o desempenho dos alunos quanto às habilidades técnicas, de trabalho em equipe, comunicação efetiva, tomada de decisão e os desfechos dos casos.
DISCUSSÃO
O aprendizado médico baseado em técnicas passivas, como aulas teóricas e testes escritos, comprovadamente diminuem a retenção do conhecimento e a aplicabilidade na prática5. Nesse contexto, a educação baseada em simulação surge como uma alternativa importante para desenvolver conhecimentos e competências aos profissionais de saúde, ao mesmo tempo que protege os pacientes de riscos desnecessários, além de mitigar tensões éticas e resolver dilemas práticos3.
Embora diversas definições de simulação sejam propostas em literatura, a mais aceita é a de David M Gaba, publicada no artigo “Do as we say, not as you do: using simulation to investigate clinical behavior in action”, em 2009: “a simulação é um processo de instrução que substitui o encontro com pacientes reais em troca de modelos artificiais como atores reais ou de realidade virtual, replicando cenários de cuidados ao paciente em um ambiente próximo da realidade, com o objetivo de analisar e refletir as ações realizadas de forma segura”4.
As habilidades que podem ser melhoradas com o treinamento baseado em simulação são: expertise técnica e funcional, habilidades de resolução de problemas e tomada de decisão e habilidades interpessoais e de comunicação, além de capacidade de trabalho em equipe. Os benefícios educacionais da simulação na educação médica incluem: prática deliberada com feedback, exposição a eventos incomuns, reprodutibilidade, oportunidade para avaliação dos alunos e ausência de riscos para os pacientes3.
A implementação de simuladores de alta tecnologia, como o SimMan®, manequins utilizados na Escola Cearense de Emergências Médicas - ECEM, mostraram resultados favoráveis no aprendizado de residentes de Medicina de Emergência, por apresentar controles de funções respiratórias, cardíacas, neurológicas e voz, tornando a experiência extremamente realística e permitindo a imersão do residente na estratégia de ensino. Em 2013, Swamy et al. publicou estudo piloto que comparou as habilidades adquiridas através do exame em pares (colegas e pacientes atores) com as adquiridas com o exame do simulador SimMan®. Neste estudo, observou-se que as habilidades dos alunos não progrediram com a repetição de exames cardiovasculares e pulmonares em pares, mas que os alunos que treinavam com o SimMan® melhoraram consideravelmente suas habilidades6.
Além de todos os benefícios já expostos, o uso de simulações e de aprendizado prático em ambiente controlado contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional dos residentes que, através do treinamento repetitivo sem causar riscos aos pacientes, apresentam aumento de conforto e confiança em seus atendimentos e realização de procedimentos7.
Após as simulações, o momento final de ensino é a avaliação do desempenho da equipe. Essa discussão, mediada pelo preceptor, permite a detecção de falhas na formação dos residentes e intervenção nas mesmas, de forma a proporcionar aos alunos as melhores oportunidades de aprendizado e crescimento profissional.
Até o momento, não há estudos que demonstrem que o treinamento em simulação melhore diretamente os resultados do atendimento ao paciente, entretanto existe um conjunto significativo de dados e evidências a favor do treinamento em simulação nos resultados educacionais. Os alunos que passam pela simulação têm melhor desempenho nos testes e tarefas simulados subsequentes3.
CONCLUSÃO
O modelo de ensino proposto pela Residência Médica de Fortaleza, nos últimos dois anos, visou oferecer aos residentes estratégias ao desenvolvimento de habilidades fundamentais ao Médico Emergencista, de forma prática, através de simulações.
A organização do ensino em Eixos Longitudinais garante uma alternância entre temas mantendo uma continuidade necessária ao desenvolvimento de habilidades técnicas e humanas, que permitem o amadurecimento profissional do residente do Programa de Residência de Medicina de Emergência de Fortaleza, que passaram a utilizar os conhecimentos adquiridos de forma a identificar ameaças à vida do paciente, tomar decisões de forma hábil e rápida, diagnosticar complicações à beira-leito e prevenir desfechos desfavoráveis.
O fato deste ensino ser prático, mas em ambiente controlado, teve como vantagem evitar acarretar riscos aos pacientes durante o aprendizado, já que os objetos de ensino ocorreram em manequins ou pacientes-atores. Portanto, foi possível adquirir conhecimento com segurança, sem que pacientes em reais situações de risco sejam utilizados como “cobaias de ensino”, em concordância com a tendência mundial de utilização de simulações realísticas para ensino médico.
CONFLITOS DE INTERESSES
Não há.
REFERÊNCIAS
1. Sharara-Chami R, Lakissian Z, Farha R, et al. “In-situ simulation-based intervention for enhancing teamwork in the emergency department”. BMJ Stel. 2020. 6. 175–177.
2. Flato, UrRaper, Jaron D.; Khoury, Charles; Bloom, Andrew D. “Simulation in emergency medicine graduate medical education: a call to lead”. Clin Exp Emerg Med. 2023; 10 (1): 107- 109
3. Lateef, Fatimah. Simulation-based learning: Just like the real thing. J Emerg Trauma Shock. 2010. 3(4):348-52.
4. Gaba, David M. “Do As We Say, Not As You Do: Using Simulation to Investigate Clinical Behavior in Action”. Society for Simulation in Healthcare. 2009. 4 (2). 67-69.
5. Flato, Uri Adrian Prync; Guimarães, Hélio Penna. “Educação baseada em simulação em medicina de urgência e emergência: a arte imita a vida” Rev Bras Clin Med. 2011. 9 (5): 360- 364.
6. Swamy, M., Bloomfield, T.C., Thomas, R.H. et al. “Role of SimMan in teaching clinical skills to preclinical medical students.” BMC Medical Education. 2013. 13 (20).
7. Bernardo, Gabriel Pereira; Bernardo, Lorena Pereira et al. “Simulation Based Education as Tool in Emergency Medicine: A Systematic Review”. Am. In. Mult. J., 2018. (5) 3, 54-65.