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ARTIGO ORIGINAL

A notificação compulsória por violência interpessoal ou autoprovocada: um estudo epidemiológico

Júlia Ferri Leal Borges; Júlia Hubner Carvalho Venturini; Júlia Simonassi Borges Mendes; Lucas Saquetto de-Oliveira; Pedro Augusto Abreu Silva

DOI: https://doi.org/10.5935/2764-1449.20230004

Resumo

OBJETIVO: Analisar a ocorrência de violência interpessoal e autoprovocada no estado do Espírito Santo.
MÉTODO: Foram compilados dados epidemiológicos do site DATASUS do Ministério da Saúde, através da plataforma Tabnet, com seleção da aba de dados epidemiológicos e morbidade, depois aplicados os filtros de violência interpessoal ou autoprovocada e na região geográfica abrangente do Espírito Santo.
RESULTADOS: Utilizou-se tabelas provenientes do DATASUS, em que foram relacionadas aos artigos antepostos, no qual os dados e estatísticas foram apresentados e comentados de maneira sucinta, a fim de elucidar o corpo do artigo.
CONCLUSÃO: O estudo identificou em destaque as morbidades em razão de violência de natureza sexual, principalmente contra mulheres, além da negligência e abandono de incapazes.

INTRODUÇÃO

A violência no estado do Espírito Santo tem sido cada vez mais aparente aos olhos da sociedade, desse modo constitui um problema não apenas social, mas sim de saúde pública, visto que faz novas vítimas a todo momento no país, inclusive em território capixaba. Em geral, estima-se que a violência seja uma das principais causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos1. Dessa forma, a notificação feita ao SUS pelos profissionais da área, constituem índices que devem ser levados em consideração pelas políticas públicas, principalmente no que tange ao combate dessa mazela social.

O ato de notificar inicia um processo que visa romper atitudes e comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer agressor2. Desse modo, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) é um dos subsistemas do Sistema de Informação em Saúde (SIS) implantado na década de 19903, e tem o objetivo de informar dados apresentados nas fichas de notificação individual de doenças e agravos, sendo que a notificação sobre casos de violências, sejam autoprovocadas ou interpessoais, são de natureza compulsória. Em decorrência disso, o preenchimento adequado das notificações, assim como o preparo dos profissionais de saúde em atender essa demanda pode ser fator determinante no aprimoramento do combate à violência.

“A violência, pelo número de vítimas e a magnitude de sequelas emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países”4. Na realidade brasileira, é importante ressaltar que causas como acidentes e violência, são as principais causas de óbitos entre a população de 5 a 19 anos2. Essa estatística elevada deixe evidente a gravidade desse cenário, que afeta especialmente o grupo infantojuvenil, constituído por crianças e adolescentes, mulheres e idosos.

Nesse contexto, os dados colhidos na plataforma TabNet do DataSus demonstram os principais índices de violência no estado, desde 2009 até o ano de 2021, com destaque para as notificações julgadas mais recorrentes. Logo, faz-se necessário analisar em quais regiões do estado há maior número de notificações, com destaque para a região da Grande Vitória, além de índices relacionados a natureza das principais queixas notificadas como: violência sexual, principalmente quando acomete o público infanto-juvenil, violência contra a mulher, negligência e violências por arma de fogo, objetos perfuro cortantes e agressão física. Além de relacionar a relevância desses dados na constituição de políticas públicas. O presente estudo busca avaliar a natureza das notificações e entendera a importância delas para a construção de políticas públicas no combate à violência.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado em novembro de 2021, e é caracterizado como um estudo estatístico descritivo de cunho epidemiológico. Esse estudo foi produzido segundo o a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sendo, portanto, livre de análise perante o Comitê de Ética em Pesquisa. O artigo foi formulado através de consultas na plataforma Tabnet do Datasus. que consiste numa plataforma de informações de saúde que auxiliam análise da atual situação sanitária do país, mensurando dados que se estendem desde morbidade, incapacidades físicas, acesso a serviços e até condições ambientais. Essa plataforma está disponível no site do Ministério de Saúde. Os filtros selecionados para confecção das tabelas que gerarão as informações apresentadas nesse estudo foram: Sessão “Epidemiológicas e morbidades”, em seguida foi selecionada a sessão de “doenças e agravos de notificação – 2007 em diante (SINAN)”, e por fim foram aplicados os filtros de “Violência interpessoal ou autoprovocada com abrangência geográfica no Espírito Santo”. Além disso, em todas as tabelas produzidas por esse artigo foram selecionados os filtros de 2009 a 2021, sendo esse o período abrangido pelo estudo.

Posteriormente a isso, as tabelas foram produzidas de acordo com a relação aos artigos que serão relatados a seguir. A Tabela 1 foi produzida com os filtros “sim” para violência sexual, com linha referente ao filtro “sexo” e coluna a “faixa etária”, o período selecionado foi de 2009 a 2021. Enquanto a tabela 2 foi produzida com os filtros “sexo feminino”, com linha condizente com o filtro “força corporal. espancamento”, coluna referente à “raça” e período de seleção de 2009 a 2021. A tabela 3 foi elaborada com base nos filtros “sim” para violência Sexual, com coluna referente à “macrorregião do estado” e linha baseado em “frequência” dos acontecimentos. Por fim, a tabela 3 foi produzida com os filtros de “sim” para negligência e abandono com coluna voltada para “faixa etária” e linha para a “frequência das incorrências”.

 

RESULTADOS

 


Gráfico 1. Violência sexual por faixa etária segundo sexo entre 2009-2021.
Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Agravo de Notificação - Sinan (Adaptado)

 

 


Gráfico 2. Violência contra mulher segundo raça entre 2009-2021.
Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Agravo de Notificação - Sinan (Adaptado)

 

 


Gráfico 3. Violência sexual por macrorregião do Espírito Santo entre 2009-2019.
Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Agravo de Notificação - Sinan (Adaptado)

 

 


Gráfico 4. Violência por negligência e abandono por faixa etária.
Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Agravo de Notificação - Sinan (Adaptado)

 

DISCUSSÃO

A violência, pelo número de vítimas e a magnitude de sequelas emocionais adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países4. Desse modo, as fichas de notificação surgem como uma ferramenta auxiliar no controle epidemiológico da violência e na busca pelo primor no atendimento às vítimas. No entanto, a dificuldade no preenchimento das notificações, o despreparo dos profissionais e as subnotificações atuam como empecilho ao uso dessa ferramenta.

As dificuldades mais relatadas nos estudos foram: o tamanho das fichas de notificação, a dificuldade de se obter informações das vítimas, e ausência de local adequado para o acolhimento da vítima e coleta de informações. A coleta de dados serve para o planejamento e implementação de políticas públicas efetivas de enfrentamento à violência, logo a falha no preenchimento dessas fichas implica em um entrave no combate a essa prática. Sendo necessário um melhor preparo dos profissionais da saúde, além da conscientização sobre a importância do preenchimento e a redução da quantidade de informações nas fichas, com o intuito de aprimorar o atendimento e torná-lo mais eficaz.

Em uma outra análise, a violência contra mulheres é atualmente um dos temas mais relevantes no âmbito da Saúde Pública e dos direitos humanos, pois provoca sérios prejuízos à saúde e ao desenvolvimento psicossocial dessas mulheres5. A tendência das notificações dos casos de violência contra mulher segue associando violência sexual à violência psicológica e física, ou ambas.

Na tabela 1 foi feita uma análise dos casos de violência sexual por faixa etária segundo sexo. Foi possível observa que indivíduos do sexo feminino representaram mais de 85% das notificações, com destaque para a faixa etária de 10 a 19 anos de idade. Outrossim, é necessário mencionar que as notificações de violência sexual contra a mulher, além de serem as mais frequentes, crescem de maneira exponencial, apenas no Brasil a prevalência de violência cometida por “não parceiros” é de 7,6% enquanto a média mundial se mantém em 7,2%.

Ademais na tabela 3 demonstra as notificações de violência sexual por macrorregião do estado do Espírito Santo. Nota-se um aumento contínuo a cada ano, com destaque para a região metropolitana, é importante destacar que o ano de 2020, devido à pandemia, sofreu com subnotificações. Nesse sentido, cabe mencionar o fato de que regiões metropolitanas tendem a ter uma maior quantidade de notificações por violência sexual devido, dentre outros fatores, uma maior estrutura de denúncias.

Nesse contexto, os profissionais da saúde ainda encontram dificuldades na prática do acolhimento e preenchimento dos dados referentes a essas vítimas. Devido ao estigma social entre relações maritais, os profissionais não averiguam a fundo esse tipo de violência, marginalizando informações essenciais. As inconsistências no preenchimento de fichas de notificação de abuso sexual e estupro são frequentes. Segundo o estudo de Girianelli e colegas, os valores de inconsistência por não conformidade, ou seja, informações imprecisas que não necessariamente prejudicam a compreensão dos dados, variou de 16,6% a 29,3%3.

Além disso foi notado na tabela 4 uma clara subnotificação em relação a negligência contra idosos em território capixaba, essa questão é corroborada com a teoria de que parte dos idosos não fazem denúncias pois convivem com a família e a queixa atrapalharia a convivência. A Organização Mundial de Saúde entende por maus-tratos e negligência como uma ação única ou repetida, ou ainda a ausência de uma ação devida, que causa sofrimento ou angústia, e que ocorre em uma relação em que haja expectativa de confiança6. Segundo o estudo realizado por Souza, Freitas e Queiroz, cerca de 32% das denúncias são de violência física, enquanto 20% configuram abandono e 13 % negligência. Quanto aos agressores, segundo dados do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, a maior parte dos agressores eram familiares ou vizinhos.

Ademais, no Brasil, em 2016, foram registrados cerca de 100 mil casos de violência contra crianças e adolescentes7. Segundo o estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, relata que o maior número de registos em notificação por violência se refere a um público de até 12 anos, portanto pode-se inferir que a população infanto-juvenil é um alvo recorrente da violência4.

Na tabela 2, observa-se a violência relacionada a raça e é possível destacar o maior número de notificações representado pela raça parda. Vale mencionar que entre crianças a questão da raça parda perdura, um estudo feito em Manaus evidenciou que de 70% das crianças do sexo feminino que sofreram violência sexual eram da raça parda, sendo que dentre elas, a maioria não frequentava a escola7.

“Essas violências trazem consequências físicas, sexuais, reprodutivas, psicológicas e comportamentais altamente nocivas à saúde e ao bem-estar dos indivíduos envolvidos. Também repercutem na sociedade geral, ocasionando a transmissão intergeracional da violência e a criminalidade na adolescência. ”7. O Procedimento terapêutico nesses casos de violência é essencial para recuperação física e emocional da criança ou adolescente, logo, o acolhimento desses pacientes por parte dos profissionais da saúde deve ser realizado de maneira adequada. Entretanto, essa não é a realidade encontrada no recebimento desses pacientes, em um estudo realizado em unidades de saúde do Ceará constatou-se que 88,2% dos profissionais de saúde não conhecem nenhuma instituição de apoio a crianças e adolescentes vítimas de violência2.

Analisando essas informações é possível reconhecer que a qualidade mediana da detecção e encaminhamento dos casos gera a necessidade de uma formação continuada das equipes da saúde acerca do tema. De fato, por não se tratar de uma enfermidade que possa ser tratada de acordo com o modelo biomédico, lidar com casos de violência representa um desafio aos profissionais de saúde, exigindo uma abordagem bem pensada e elaborada.

 

CONCLUSÃO

O objetivo primordial desse trabalho foi de analisar a ocorrência de violência interpessoal e autoprovocada no estado do Espírito Santo. Nesse sentido, o estudo identificou em destaque as morbidades em razão de violência de natureza sexual, principalmente contra mulheres, além da negligência e abandono de incapazes.

 

REFERÊNCIAS

1. Dahlberg LL, Krug EG. Violence: A Global Public Health Problem. Informe Mundial sobre Violência e Saúde, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/jGnr6ZsLtwkhvdkrdfhpcdw/abstract/?lang=pt Acesso em: 16/11/2021

2. Moreira GA, Vasconcelos AA, Marques LA, Vieira LJ. Instrumentação e conhecimento dos profissionais da equipe de saúde da família sobre a notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes. 31ª ed. São Paulo: Revista Paulista de Pediatria, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rpp/a/3PsQpTFF4zZnn8LJL9bgc5y/?lang=pt Acesso em: 16/11/2021

3. Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, Teles N, Erthal RM, Oliveira MH. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. 26ª ed. Rio de Janeiro: Caderno de Saúde Coletiva, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/?format=pdf&lang=pt#:~:text= No%20per%C3%ADodo%20avaliado%20foram%20notificados,preenchidos%20(31%2C7% 25). Acesso em: 16/11/2021

4. Silva AN, Gomes ET, Melo RL, Siqueira RM, Fonteles LS. Profile of the cases of violence reported in university hospital. 4ª ed. Recife: Revista de Enfermagem UFPE On Line, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/issue/view/992 Acessso em: 15/11/2021

5. Sousa MH, Bento SF, Osis MJ, Ribeiro MP, Faúndes A. Preenchimento da notificação compulsória em serviços de saúde que atendem mulheres que sofrem violência sexual. 18ª ed. São Paulo: Revista Brasileira de Epidemiologia, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/hCDXK4ScQP85rWymBwGzTWt/abstract/?lang=pt# Aces so em: 17/11/2021

6. Souza JA, Freitas MC, Queiroz TA. Violência contra os idosos: análise documental. 60ª ed. Brasília: Revista Brasileira de Enfermagem, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/PXhg5WN8VCF53b5mDdsN3GH/abstract/?lang=pt# Acesso em: 17/11/2021

7. Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violence against children and adolescents in Manaus, Amazonas State, Brazil: a descriptive study of cases and evaluation of notification sheet completeness, 2009-2016. 29ª ed. Rio de Janeiro: Epidemiologia e Serviços de Saúde, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/Bn7BXPdTchdZzKHt4bZRYnQ/?lang=en# Acesso em: 15/11/2021


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