Tainara Rita Pezzini1; Paola Soares Fernandes1; Larissa Rosario Magalhães1; Douglas Brecci Zaccariotto2; Bruna Avella Verone2; Alexandre Bueno Merlini3
Resumo
O agente anticolinesterásico carbamato, aldicarbe, popularmente conhecido como “chumbinho”, é considerado um dos praguicidas comercializados mais tóxicos. A Organização Mundial da Saúde estimou para o ano de 2005, aproximadamente 3 milhões de envenenamentos humanos por pesticidas, no mundo, com mais de 220 mil mortes. No Brasil, a intoxicação exógena é um método muito utilizado nas tentativas de suicídio, caracterizando, em média, 72,15% dos casos. A descrição do perfil epidemiológico de casos de intoxicação por carbamato é de grande relevância pública, podendo servir de subsídio para a elaboração de políticas de saúde visando diminuir sua ocorrência. Assim, este trabalho teve por objetivo descrever o perfil epidemiológico e a distribuição espacial dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos no Brasil, no período de 2010 a 2020. Trata-se de revisão bibliográfica sistemática da literatura acerca do tema Intoxicação por Carbamato. Para tal, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (Decs): “Intoxicação por Aldicarb”, “Intoxicação por Carbamato” e “Chumbinho”, nos idiomas português e inglês, por meio das bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (PubMed/Medline). São muitos os efeitos que esses venenos podem causar ao organismo, incluindo lesões irreversíveis e mortes. A intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos acometeu principalmente homens, jovens e pardos, motivada por fatores psicossociais diversos; grande parte dos casos estava relacionada a tentativa de suicídio expondo a necessidade de ações de prevenção focadas na população mais vulnerável?
INTRODUÇÃO
O aldicarbe, um agente anticolinesterásico carbamato popularmente conhecido como “chumbinho”, é considerado um dos praguicidas comercializados mais tóxicos, sendo amplamente utilizado como inseticida e possui diversos graus de toxicidade para o ser humano. 1 Desde 1947, no período da Segunda Guerra Mundial, os carbamatos vêm sendo utilizados como inseticidas na plantação e lavoura. São muitas vezes manipulados erroneamente como raticidas, causando intoxicação do usuário e possibilitando o óbito de centenas de pessoas1.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou para o ano de 2005, aproximadamente 3 milhões de envenenamentos humanos por pesticidas, em todo o mundo, com mais de 220 mil mortes relatadas2. Uma revisão sistemática, publicada em 2007, aponta que anualmente, seriam mais de 258 mil mortes atribuídas ao auto envenenamento por tais produtos, correspondendo a cerca de um terço dos suicídios globais3.
No Brasil, o aldicarbe é registrado para uso agrícola exclusivo, contudo, tem sido frequentemente relacionado como responsável por intoxicação em animais e seres humanos. Nesse sentido, a intoxicação por aldicarbe é considerada importante causa de morbimortalidade por intoxicação no Brasil devido ao acesso fácil ao produto, baixo custo, à falta de estratégias de controle e prevenção das intoxicações e por sua eficácia frente às tentativas de suicídio, sendo portanto um problema de saúde pública4.
Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), no Brasil, o uso desordenado dos agrotóxicos torna essa categoria a terceira maior causa de intoxicação no país, superada apenas pelas intoxicações por medicamentos e por animais peçonhentos. Em 2009, no Brasil, foram contabilizados 100.391 casos de intoxicação exógena humana e 404 óbitos, sendo os agroquímicos de uso agrícola a principal causa desses óbitos5.
Entre os inseticidas, os carbamatos e os organofosforados estão entre os mais utilizados na produção agrícola e nos ambientes domésticos, colocando-se entre os principais agentes tóxicos relacionados aos casos de intoxicação aguda humana, em situações acidentais ou não (de propósito homicida ou tentativas de suicídio), dada a alta toxicidade de alguns desses compostos por sua ação anticolinesterásica6.
Intoxicações por organofosforado podem estar associadas a sérias complicações e frequentemente fatais. Farmacologicamente, são substâncias lipossolúveis que agem inibindo a colinesterase. O agente ocupa o sítio catalítico desta enzima, permitindo que a acetilcolina acumule-se e permaneça ativa na região sináptica, resultando em constante despolarização do neurônio pós-sináptico. Então, os efeitos ocorrem no sistema nervoso central e sistema nervoso periférico, através dos receptores muscarínicos e receptores nicotínicos7.
Sinais e sintomas típicos da síndrome colinérgica costumam aparecer quando 60 a 80% da colinesterase é inibida. Caracterizada por miose, diarreia, sialorreia, sudorese profusa, cólicas abdominais, cãibras, dispneia, vômitos, bradicardia e fasciculações. A falência respiratória é a causa mais comum de morte nas intoxicações por carbamato, já que estes compostos causam broncoespasmos e edema pulmonar não-cardiogênico com alta produção de muco e comprometimento significativo da musculatura respiratória, ocorrência que pode ser agravada caso haja broncoaspiração8.
O efeito sobre o sistema cardiovascular é variável, mas a forma mais grave é observada quando há o alargamento do intervalo QT no eletrocardiograma, possibilitando o desenvolvimento de bradiarritmias e taquiarritmias8. Tal pacientes necessitam de doses maiores de atropina (fármaco anticolinérgico, usado como antídoto de substâncias colinérgicas) devido ao risco de óbito.
Os sintomas geralmente iniciam-se em minutos ou horas após a exposição ao agente. O diagnóstico baseia-se na história de exposição, achados da síndrome colinérgica e dosagem sérica de colinesterase, embora pouco disponível na maior parte dos serviços hospitalares. Comumente, os pacientes devem ser admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI), pois a maioria evolui com falência respiratória e necessita de suporte ventilatório invasivo. É recomendada a realização de lavagem gástrica com carvão ativado para que este reduza à absorção do tóxico pelo trato gastrointestinal9.
A descrição do perfil epidemiológico de casos de intoxicação por carbamato é de grande relevância pública, podendo servir de subsídio para a elaboração e implementação de novas políticas de saúde visando diminuir a ocorrência desse agravo. Nessa perspectiva, este trabalho teve por objetivo descrever o perfil epidemiológico e a distribuição espacial dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos no Brasil, no período de 2010 a 2020. Diante da gravidade das intoxicações, a falta de dados sobre o aldicarbe e, perante as subnotificações de casos, este estudo objetivou estabelecer o perfil das vítimas com tentativas de autoextermínio à intoxicação exógena pela substância no Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de revisão bibliográfica sistemática da literatura acerca do tema Intoxicação por Carbamato. Para tal, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (Decs): “Intoxicação por Aldicarb”, “Intoxicação por Carbamato” e “Chumbinho”, nos idiomas português e inglês, por meio das bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (PubMed/Medline).
Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: estudos publicados entre 2010 e 2020, realizados com seres humanos, que tratem de temáticas relacionadas à intoxicação por carbamato. Considerou-se também estudos qualitativos e quantitativos, sem delimitação de idade dos grupos estudados.
Foram definidos como critérios de não inclusão: estudos veterinários, estudos não relacionados à intoxicação por carbamato e artigos publicados anteriormente a 2010. Foram excluídos: estudos em que o título e resumo não condizem com o tema intoxicação por carbamato, que descreviam substâncias tóxicas que não o carbamato, teses de pós-graduação e trabalhos de conclusão de curso e estudos duplicados.
Por meio das palavras-chave foram identificados 592 artigos publicados entre 2010 e 2020 nas bases de dados especificadas anteriormente, e de acordo com os demais critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados para a análise 15 artigos, sendo 8 epidemiológicos brasileiros.
EPIDEMIOLOGIA
No Brasil, a intoxicação exógena é um método bastante utilizado nas tentativas de suicídio, caracterizando, 70% dos casos de intoxicação exógena por carbamato10. No Centro de Controle de Intoxicações em Campinas no sudeste do Brasil, 52% das mortes por intoxicação por agrotóxicos nos anos 2008 e 2009 foram devido ao aldicarbe10. Os meses em que mais ocorrem intoxicações pelo agente são janeiro e fevereiro, ambos os meses apresentam 10,13% dos casos cada, seguido do mês de dezembro, com 9,79% dos casos, e novembro, com 8,44%6.
Observa-se predomínio do sexo masculino, uma vez que este dado está presente em 6 dos 8 artigos brasileiros que traçavam o perfil epidemiológico. Há também, dominância da cor parda, presente em 95,3% dos casos. O local mais frequente é a própria residência da vítima, em 94,4% dos casos, com prevalência da zona urbana com cerca de 90,88% dos casos6,7. Os homens estão mais propensos ao suicídio, possivelmente devido a suas características pessoais, como a competitividade e impulsividade, como também aspectos socioeconômicos como desemprego, pobreza e o estereótipo de que o homem deve sustentar a família, além de terem mais acesso a produtos letais11. O sudeste é a região com maior incidência de intoxicação por carbamato, enquanto a região norte possui as menores taxas em relação às outras regiões do Brasil. Ainda, a tentativa de autoextermínio é a causa mais prevalente de intoxicação exógena em todo o território nacional12.
A taxa de mortalidade está associada a maior idade e tempo de exposição da vítima à substância tóxica, uma vez que o menor tempo de exposição resulta em um melhor desfecho, variando de 2,5% a 25% o número de vítimas que evoluem a óbito. Estes pacientes têm o tempo médio de exposição ao carbamato de duas horas até a admissão hospitalar e o tempo médio de internação é de cinco dias12. Dentre os casos com desfecho de óbito, o tempo médio de exposição ao tóxico (em média aritmética) foi de 178,33 minutos e de internação média de 96 hora. Já os casos com desfecho favorável tiveram um tempo médio de exposição de 116,11 minutos e tempo de internação médio de 121,44 horas12. Entre os pacientes que precisaram ser intubados, 85% receberam a intervenção em até 12h após a ingestão do carbamato devido a insuficiência respiratória, contra 19,9% que foram intubados após as primeiras 12 horas. Na maioria dos pacientes que foram a óbito tal desfecho ocorreu nas primeiras 48h após o contato com o agente tóxico13.
Por ser inodoro e ter coloração cinza escura, o aldicarbe geralmente é misturado com alimentos de cor escura, como feijão, chocolate e brigadeiro nos casos de tentativa de homicídio, com a intenção de ocultar o veneno. Já nos casos de tentativa de autoextermínio, é comum perceber os grânulos escuros dispersos em alimentos como mingau, ou então, adicionados a bebidas alcóolicas14. A dose ingerida pelos pacientes internados no pronto socorro do Centro de Assistência Médica da Tunísia, é de cerca de 170 mg/kg, sendo em média 14 vezes a dose letal, que é de 12 a 15 mg/kg15.
Ainda, de modo acidental, pode ocorrer a contaminação por aldicarbe ao comer frutas de alto teor de água em plantações que tal carbamato é utilizado como agrotóxico16. Uma série de casos relatados na Carolina do Norte nos Estados Unidos, ilustra sete agricultores que buscaram atendimento médico ao apresentarem sintomas de náuseas, vômito, dor abdominal, cãibra e alteração do nível de consciência após a ingestão de uma melancia recém-colhida16. A negligência ao uso inadequado de equipamentos de proteção durante o manuseio de pesticidas é um fator importante para a alta incidência de intoxicação por carbamato pelos agricultores17. No Brasil, os sintomas apresentados com mais frequência foram: sialorréia, miose, sudorese, broncorreia e dispneia, característicos da síndrome muscarínica10. A faixa etária prevalente é dos 15 aos 29 anos, no entanto, as intoxicações acidentais são mais frequentes em crianças de até 5 anos17.
FISIOPATOLOGIA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Os carbamatos possuem por mecanismo de ação a inibição da enzima acetilcolinesterase (AChe) atravessar de uma reação de carbamilação sobre esta enzima, perdendo sua função. AChe hidrolisa a acetilcolina em excesso presente na fenda sináptica, em Acetato + Colina (a inibição da AChe é revertida em até 48 horas). Desta maneira ocorrerá um aumento da acetilcolina no sistema nervoso central, autônomo simpático, parassimpático e junção neuromuscular, sendo assim, seus sintomas representados pela exacerbação muscarínica, atingindo sistema respiratório e trato gastrointestinal; e nicotínica, atingindo sistema cardiovascular e a musculatura esquelética6.
A depender do receptor estimulado, se muscarínico ou nicotínico, e da ligação ou não do carbamato aos receptores do SNC, três síndromes podem estar presentes: Síndrome muscarínica, cujos sintomas são hipersecreção (lacrimejamento, sialorréia, broncorreia), miose, incontinência fecal e urinária, hipotensão arterial, náuseas e vômitos, broncoaspiração, bradicardia e edema pulmonar; Síndrome nicotínica: hipertensão, palidez, midríase, taquicardia, fasciculações e cãibras musculares dolorosas e, até mesmo, paralisia dos músculos respiratórios; Síndrome Central: Distúrbios neurológicos com manifestações de inquietação, convulsões e coma18.
A intoxicação pode ocorrer principalmente por 2 vias, oral e inalatória, diferenciando assim, o tempo para início dos sintomas, devido ao local de absorção. A via oral é a mais utilizada tanto nos casos de suicídio, quanto nos casos de homicídio e intoxicação não intencional19. O acometimento por via inalatória se mostrou mais evidente nas intoxicações por agrotóxicos (Aldicarb), que têm sua venda liberada mediante a apresentação de receituário agronômico. As principais vítimas são os agricultores, sua absorção ocorre nos pulmões e logo são liberados na circulação sistêmica. Os sintomas se iniciam em até 5 minutos, se apresentando como a via mais rápida7.
Na via oral a principal substância foi o “chumbinho’’, cujo a venda está proibida desde a década de 1980. Com a introdução da internet, foi difundindo entre os jovens o conhecimento do potencial tóxico dessa substância; somado a um fácil acesso, através da venda no mercado ilegal. Sua absorção se inicia no estômago, onde será quase completamente distribuído e biotransformado, com início dos sintomas em cerca de 15 a 30 minutos11. Seus metabólitos, como o sulfóxido e o sulfona de aldicarbe, também apresentam toxicidade14.
As manifestações clínicas foram apresentadas de maneiras diferentes em cada via de intoxicação. Na via inalatória houve predomínio de relatos de cefaléia, náuseas, visão turva, sialorréia e hiperidrose secundária. Na via oral por sua vez houve predomínio de sialorréia e miose (em 100% dos óbitos), dispneia, liberação de esfíncteres anal e urinário, vômitos, coma, tremores e torção de alças intestinais (devido à alta estimulação do TGI). Os pacientes são frequentemente encontrados em péssima higiene corporal, onde se encontravam urinados, vomitados, evacuados e com saliva. Vale salientar que pelo fato da aquisição da substância ocorrer no mercado ilegal, há mistura de outras substâncias como: organofosforados e anticoagulantes, que intensificavam seu poder tóxico12.
Embora o carbamato e os organofosforados possuam o mesmo mecanismo de ação, o carbamato apresenta uma ação mais rápida e de mais fácil reversão, contrastando o organofosforado que se liga de forma irreversível à acetilcolinesterase. O carbamato se liga de forma reversível, além de não penetrar a barreira hematoencefálica com facilidade, por isso a síndrome central é incomum20. Contudo, mesmo que o carbamato apresente reversibilidade em comparação com o organofosforado, apresenta uma quantidade semelhante de casos fatais21.
As complicações mais frequentes observadas após a intoxicação com carbamato, foram: lise celular hepática com pancreatite aguda em estágio B, choque cardiogênico com bloqueio total de ramo esquerdo e hipercalemia. As principais causas de óbito foram depressão respiratória central com edema agudo de pulmão, e choque séptico19.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da intoxicação por carbamato é clínico, e necessita de uma anamnese e exame físico detalhados para obter as informações essenciais sobre a intoxicação no menor tempo possível. Os sintomas se iniciam rapidamente, entre 30 minutos a 2 horas após ingestão, necessitando de rápida entrada do paciente ao serviço de emergência e início do tratamento de estabilização e inativação do agente6.
Na história é feita a pesquisa de fatores que podem interferir no prognóstico e conduta, como a presença de comorbidades, medicamentos em uso, e consumo de substâncias lícitas e ilícitas. O bom prognóstico está relacionado ao tipo de agente tóxico (carbamato), a baixa quantidade absorvida, a via de exposição inalatória, curto tempo entre a exposição e o atendimento, e boa aquisição de informações durante a anamnese6. Porém, mesmo criteriosa, o tempo de intoxicação e tipo de substâncias ingeridas são muitas vezes incertos, uma vez que os há misturas de substâncias principalmente relacionada a venda clandestina de carbamato.
No exame físico são identificadas manifestações da intoxicação por inibidores de colinesterase, relacionado aos receptores acometidos, sendo os muscarínicos e nicotínicos. Auxiliando a anamnese e exame físico, o teste acetilo lìnesterase eritrocitária (ou acetilcolinesterase verdadeira) pode ser realizado logo após a exposição do paciente para identificar da atividade da acetilcolinesterase no organismo2.
Manifestações crônicas devido a exposição contínua por meses ou anos a pequenas doses de compostos que contenham carbamato possuem difícil diagnóstico devido a dificuldade em estabelecer um relação de causalidade. Esses casos podem ser auxiliados pelo Centro de Informação Toxicológica (CIT), um sistema de teleatendimento que informa a composição química do produto responsável pela intoxicação e indica a conduta adequada para o caso4.
TRATAMENTO
A partir da determinação da gravidade do quadro, o tratamento é realizado com suporte vital, descontaminação, e administração medicamentosa. O suporte vital básico e avançado são um pilar importante e prioritário no atendimento de pacientes instáveis com diagnóstico de intoxicação aguda por inibidores de colinesterase, devido a necessidade de reverter sintomas respiratórios e neuromusculares11.
O atendimento inicial consiste no tratamento de suporte, sintomático e monitorização dos sinais vitais; além da individualização da necessidade de oxigenoterapia, lavagem gástrica, passagem de sonda nasogástrica, intubação endotraqueal, aspiração traqueobrônquica e administração de carvão ativado para a descontaminação e interrupção da absorção do agente tóxico21.
O tratamento específico é feito por meio da administração de sulfato de atropina, um antagonista competitivo do receptor muscarínico da acetilcolina, e uso de carvão vegetal ativo14. As arritmias causadas pela intoxicação podem permanecer mesmo após o tratamento adequado com resolução da fase aguda, sendo assim, pacientes com essas alterações devem permanecer com monitoramento cardíaco1. A pralidoxima, antídoto da intoxicação por organofosforado, não é recomendada para tratar intoxicação por carbamato, já que no Brasil a principal síndrome relatada é a muscarínica, e este fármaco tem maior eficácia na síndrome nicotínica20.
O atendimento adequado da equipe de saúde no tratamento imediato e contínuo no paciente intensivo tem grande influência no controle da intoxicação e melhor prognóstico do paciente21. Essa atenção à saúde deve ser extendida para a avaliação da saúde mental e social de pacientes nos casos de tentativa de suicídio, que compreende a maior causa de ocorrência de intoxicação. A intoxicação crônica também possui relação com danos à saúde mental do paciente, uma vez que pode causar transtornos como ansiedade e depressão4.
CONCLUSÃO
Dado o exposto nesta revisão bibliográfica, observa-se que a intoxicação por carbamato é um grave problema de saúde pública, que afeta milhares de pessoas, não apenas na zona rural, mas também nos centros urbanos. Devido ao seu baixo custo, a facilidade de aquisição e a sua alta toxicidade, o aldicarbe tem sido amplamente utilizado de forma ilegal como praguicida, criando um cenário de risco também a saúde humana, além de ser um produto de escolha para pessoas com ideação suicida.
Sendo assim, a divulgação de informações a respeito deste tema é altamente relevante não somente por fornecer auxílio à rotina do médico, mas também por servir como documento que torna público a sua gravidade no Brasil. Ainda, percebe-se que no Brasil há uma subnotificação dos casos de intoxicação exógena, sobretudo do carbamato, substância alvo do estudo, fazendo com que haja pouca produção científica na área.
São muitos os efeitos que esses venenos podem causar ao ser humano, incluindo lesões irreversíveis e morte. Em relação ao inseticida aldicarbe, se observa que, apesar de ser destinado ao uso exclusivamente agrícola, é facilmente encontrado nas zonas urbanas de maneira ilegal. Assim, expondo a população a sérios riscos de intoxicações acidentais ou intencionais, como nas tentativas de suicídio, onde esse agente tem sido comumente empregado e se mostrado muito eficaz.
A intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos acometeu principalmente homens, jovens e pardos, motivada por fatores psicossociais diversos; o achado de que a grande parte dos casos estava relacionada a tentativa de suicídio mostra a necessidade de ações de prevenção focadas na população detectada como vulnerável.
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